24/04/2012

A DANIELA MERCURY, O KINDER OVO, O AYRTON SENNA E O ANO DE 1994

Terremoto em Los Angeles. Genocídio em Ruanda. Guerra na Bósnia. O ano de 1994 foi marcado por desastres causados pela natureza e por carnificinas provocadas pelo homem. Boa parte dos brasileiros, no entanto permaneceu alheia ao que acontecia no restante do mundo. E tem desculpas convincentes! Primeiro: foi em 1994 que morreu o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, num acidente que comoveu o país. Segundo: o governo Itamar Franco criou o Plano Real, que viria a debelar a inflação e estabilizar a economia. Terceiro: ocorreram eleições presidenciais no final do ano - que, à propósito, deram vitória ao então ministro Fernando Henrique Cardoso. Quarto: faleceu o cantor, compositor, maestro e ícone da música brasileira Tom Jobim. Quinto: o Brasil consagra-se campeão da Copa do Mundo dos Estados Unidos.
O ano de 94 foi um ano de perdas e conquistas para o povo brasileiro. A criação do Real nocauteou de vez a inflação, o maior pesadelo financeiro dos anos 70, 80 e início dos 90. Foi uma grande conquista para o país, mas… Bem, para o povo, conquista de verdade foi a da Copa do Mundo! A Seleção de Dunga, Romário, Bebeto e Taffarel tinha vencido a Itália (a mesma seleção que eliminara o time dos sonhos de 1982) numa final emocionante. A partida foi decidida nos penâltis, o que deixou 99% de loucos por futebol grudados na tela da TV. Quando o jogador italiano Roberto Baggio (que, de inicio, pensou-se ser um novo Paolo Rossi) errou o chute a gol, o país explodiu de alegria. As pessoas saíram para as ruas para comemorar a conquista da primeira Copa do Mundo desde 1970, época do eterno Rei do Futebol Pelé.
O que mais rolava nas caixas de som naquele ano era o pagoda, seguido do axé. Claro que as pessoas ouviam outros estilos! O do grupo Skank, por exemplo. A da cantora Cássia Eller, com suas músicas ecléticas, também. O grupo Mastruz com Leite, uma espécie de furacão do forró, representante da “óxente music”, vendeu mais discos do que muitos nomes consagrados da música brasileira. A trilha sonora internacional da novela global A Viagem bombou nas rádios FMs (que não se lembra de Linger, do Cranberries?). E o que dizer do sertanejo romântico de Zezé di Camargo e Luciano? Mas é o pagode do Só Pra Contrariar e o axé de Daniela Mercury sempre será associado à época.
Daniela Mercury lançou o primeiro álbum e emplacou seu primeiro sucesso em 1991. A música Swing da Cor foi repetida à exaustão pelas rádios. No ano seguinte, ela apresentaria outro hit: O Canto da Cidade. Com vocal harmônico, batida forte e coreografia hipnotizante, O Canto da Cidade virou uma espécie de música obrigatória nas casas noturnas e festas. O álbum vendeu mais de dois milhões de cópias, ajudando a transformar Daniela um dos símbolos musicais do início dos anos 90. Do mesmo disco saíram outros sucessos: Batuque, Você Não Entende Nada, Só Pra Te Mostrar e O Mais Belo dos Belos. O sucesso rendeu um especial de fim de ano na Globo, alguns contratos publicitários e até um show no Festiva de Jazz de Montreaux, na Suíça.
Em 1994, saiu Música de Rua, o terceiro disco da carreira de Daniela. Ele não empolgou a crítica, nem vendeu tanto quanto o trabalho anterior. Mesmo assim, foram mais de um milhão de cópias vendidas. Daniela estava no auge e tinha um fôlego de dar inveja a muitas cantoras. Em 1994, ela foi garota-propaganda da Copa do Mundo em parceria com ninguém menos que Ray Charles. Cerca de dois anos depois, chegava o mercado o álbum Feijão com Arroz e dois novos hits: Rapunzel e À Primeira Vista. Resultado das vendas: dois milhões de cópias.
Do início da carreira até o ano de 2009, foram 12 álbuns e mais de 10 milhões de cópias vendidas. Daniela foi convidada para cantar nas comemorações dos 25 anos do Festival de Jazz e Montreal e dos 20 anos do Cirque du Soleil. De Chico César a Caetano Veloso, gravou músicas e cantou com diversos compositores de MPB. Até hoje, o seu trio elétrico é uma dos mais comentados do carnaval de Salvador.
Naquele ano de 94, despontava um grupo baiano chamado Banda Eva - que revelou a cantora Ivete Sangalo. Os brasileiros acompanhavam super festivais de música como o Hollywood Rock, patrocinado pela marca de cigarros Hollywood. Cássia Eller entoava um rock aqui, o Grupo Raça um samba ali, mas uma das maiores manias do ano foi o canto gregoriano. De repente, todos passaram a ouvir (às exaustão, é bom frisar) velhas músicas de igreja com batida pop. Pode parecer estranho para muita gente, mas é como se o coral de frades do mosteiro de São Bento cantasse ao som de teclados eletrônicos, baterias ou coisas parecidas.
Entre as inúmeras manias de 94 estão os livros tridimensionais do tipo “ Olho Mágico”, os anjos cabalísticos de Mônica Buonfiglio, o Atlas Geográfico encartado no jornal Folha de São Paulo e o Kinder Ovo. A bem dizer, o maior (e mais legal, mais inesquecível e mais duradoura) modismo foi aquele ovinho de chocolate com brinde. Lançado pela fabricante de chocolates Ferrero, o Kinder Ovo trazia sempre um brinquedinho em miniatura de brinde. A novidade agradou tanto que até adultos passaram a comprar o ovinho com o intuito de colecionar o brinquedo.
A General Motors lançou naquele ano um carro de pequeno porte chamado Corsa. O seu design arredondado chamou tanto a atenção que ele logo ganhou o apelido de Kinder Ovo.
Por falar em carros, não custa lembrar da Autolatina. A Autolatina foi fruto da associação entre a alemã Volkswagen e a norte-americana Ford. Muitos consumidores não viram aquilo com bons olhos, uma vez que as empresas passaram a lançar modelos extremamente parecidos (Volks Logus e Ford Verona, por exemplo). De fato, a associação durou até o início de 1995 – prova de que talvez não tenha sido tão vantajosa para as duas empresas.
Marcas de automóveis como Nissan, Mitsubishi, Renault, Honda, BMW, Kia e Asia passaram a ser mais conhecidas dos brasileiros. O Mitsubishi Eclipse era o carro esportivo dos desejos de todas as classes sociais. A van Besta, importada pela coreana Kia Motors, virou, no decorrer dos anos seguintes, a preferida dos motoristas de lotações que, quase da noite para o dia, passaram a disputar passageiros com os ônibus de São Paulo, da região do ABC, do Rio de Janeiro e outras grandes cidades. A maioria das pessoas que dependia de transporte público deve ter alguma vez voltado para casa numa Besta. A Towner, mini-van da também coreana Asia Motors, despertou a curiosidade pelo seu design e tamanho. Foi, no entanto, como veículo de “dogueiros” e outros vendedores ambulantes que conquistou o mercado.
Os adolescentes daquela primeira metade dos anos 90 começavam a se interessar pela cultura hip hip, usavam tênis New Balance, tinham curiosidade de experimentar a Cherry Coke, assistiam Beavis & Butt-Head e até escolhiam por telefone o final do programa global Você Decide.
Um dos sonhos de consumo era um computador 386 com 4 MB de Ram e 30 MB de HD. Aquilo, sim, era um computador bom e acessível.
Os filmes mais assistidos dessa moçada foram Forrest Gump, Entrevista com o Vampiro e O Rei Leão. Um dos personagens mais folclóricos das eleições foi o candidato do partido Prona Enéas Carneiro. Com o bordão “Meu nome é Enéas”. Não havia quem não conhecesse o barbudo Enéas. Mas, para grande parte dos jovens, os personagens mais inesquecíveis daquele ano foram Ayrton Senna e Kurt Cobain.
O ex-líder da banda Nirvana Kurt Cobain tinha se matado com um tiro na cabeça. Ayrton Senna morreu numa curva fatal do Grande Prêmio de Imola de Fórmula 1. Milhares de pessoas acompanharam o seu velório nas ruas de São Paulo. Algumas não conseguiam conter a emoção. Senna representava um Brasil vitorioso e promissor. Por isso que poucos lembram do que ocorreu na Bósnia e em Ruanda.

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