27/05/2010

1973: O BREVE APOGEU DO SECOS & MOLHADOS


Janeiro de 1974. Marcos tinha acabado de chegar a Nova York e, como todo imigrante dos trópicos, não estava acostumado ao frio que congelava a cidade nessa época. Era de “doer os ossos”. Mas não havia nada a ser feito. O jeito era se acostumar, pois o contrato de trabalho recém-assinado previa três anos nos Estados Unidos. Seriam três longos e solitários anos longe do Brasil.
Marcos não via a hora do inverno passar para aproveitar o que a chamada Capital do Mundo oferecia de melhor: o Metropolitam, a Estátua da Liberdade, as recém-inauguradas torres do World Trade Center e, claro, o Central Park. Enquanto a primavera não chegava, o jeito era curtir a solidão do apartamento e lembrar dos momentos, das pessoas e do país que deixara para trás. Como num filme mental, Marcos recordava detalhe por detalhe do ano que acabara de terminar: 1973. Foram meses de expectativa até a transferência para os Estados Unidos.
Enquanto aguardava o “sim” da empresa, Marcos curtia o som do Secos & Molhados. O grupo usava maquiagens extravagantes e tinha um vocalista andrógino, mas era o sucesso do momento. Marcos gostava principalmente de Sangue Latino e Rosa de Hiroshima. As músicas do Secos & Molhados tocavam incessantemente nas rádios. Marcos também gostava de Michael Jackson, Elton John, Roberta Flack e Bread. Curiosamente, a primeira música que ouvira assim que botara os pés nos Estados Unidos foi Guitar Man, do Bread.
A MPB viveu uma espécie de apogeu em 1973. Cantores como Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Chico Buarque, Tim Maia e Jorge Ben vendiam discos como água. Em 1972, o grupo Novos Baianos lançou um LP chamado Acabou Chorare – um clássico na visão de Marcos. Aliás, uma das músicas que ele mais escutou ao longo de 73 foi Brasil Pandeiro, dos Novos Baianos.
Infelizmente, Marcos não tinha como escutar Secos & Molhados e Novos Baianos nos Estados Unidos. Podia ouvir Roberta Flack entoar Killing me Softly ou Michael Jackson trinar Music and Me, mas não podia escutar o grupo de Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad cantar Rosa de Hiroshima. E a programação da TV, então? As emissoras norte-americanas não transmitiam o hilário Satiricon e o divertido Chico City. Deviam inventar uma espécie de TV ou computador que possibilitasse assistirmos o programa, novela ou show que quiséssemos na hora que desejássemos. Algo como WeTube, ITube ou YouTube. A Globo acabara de estrear um programa de variedades muito interessante chamado Fantástico. Será que existia alguma versão norte-americana do programa?
Os seriados até que não fariam falta. A TV dos Estados Unidos devia exibir Columbo, Havaí 5-0 e Kung Fu ao mesmo tempo que o Brasil. Ou não? A série de David Carradine era imperdível. Marcos gostava tanto que até pensara em fazer um curso de Kung Fu. Ele não sabia se Carradine realmente lutava como na série, mas tinha certeza de que Bruce Lee lutava. Não havia ninguém como Bruce Lee. Ele era o maior mestre de Kung Fu de todos os tempos. Aliás, o que aconteceu com Bruce Lee?
A morte repentina de Bruce Lee foi um choque para os milhares de fãs do Kung Fu ao redor do mundo. Que o mesmo não acontecesse com David Carradine!
Marcos lembrou que a morte de Bruce Lee até que não foi muito comentada pelos brasileiros. Não pela população em geral, que desejava de fato saber o porquê da morte cruel da menina Aracelli. E que fim levou o garoto Carlinhos? Os casos Aracelli e Carlinhos não saiam da boca do povo. Quem sequestrou Carlinhos? Teria ele fugido de casa? Estaria o menino vivo? Outro caso bastante comentado foi o da jovem Ana Lídia, sequestrada e morta em Brasília.
Os norte-americanos certamente ouviram falar de Darlene Glória. A atriz brasileira fora notícia no mundo todo ao ganhar o Urso de Ouro de melhor atriz do Festival de Berlim pelo filme Toda Nudez Será Castigada, de Arnaldo Jabor. Toda Nudez foi um dos melhor filmes que Marcos vira ao longo de 73. Mas nada como A Superfêmea, do Aníbal Massaini, com a ex-miss… Como era mesmo o nome dela? Vera Fischer! Vera Fischer era linda, um sonho de mulher. Devia posar para aquela revista norte-americana, a Playboy. Aliás, deviam lançar uma versão brasileira da Playboy! A Vera Fischer nua faria a Playboy vender como nunca.
O filme mais horripilante de 1973 foi O Exorcista. Baseado na obra de W. P. Blatty, O Exorcista era, na verdade, um dos filmes mais assustadores de todos os tempos! Disseram a Marcos que o livro não ficava atrás. O filme jamais mostraria detalhes do livro. Marcos preferiu esquecê-lo. Ao invés de levar O Exorcista na bagagem, levou A Salamandra, de Morris West e O Cônsul Honorário, do Graham Greene. Pensou em levar É Verdade, Terta, do hilário humorista Chico Anysio, mas mudou de idéia. Ao invés do livro, comprou uma edição da revista Pop para ler no avião.
Apesar de ter viajado anteriormente para Nova Iorque como turista, tudo era novo para Marcos. Não havia automóveis como Corcel, Opala e Landau nas ruas. Não havia cigarros como St. Moritz. Ou havia? Marcos fumava St. Moritz. Talvez houvesse algum cigarro parecido na terra de tio Sam. Pelo menos as bebidas eram as mesmas: Coca-cola, Fanta, Martini, Natu Nobilis, Chivas Regall.. O Chivas era o uísque preferido de Marcos.
Marcos achava que se acostumaria aos Estados Unidos antes do término do inverno. Sentiria falta da família unida diante da Telenfunken da sala de visitas, mas assim que pudesse, voltaria ao Brasil para matar a saudade. Além do mais, o que eram três anos? Três anos passam logo! Não seria anos intermináveis. Quando se der conta, já estará de volta ao Brasil assistindo novelas parecidas Cavalo de Aço e O Bem Amado em casa tomando sorvetes Yopa.
1973 passou muito rápido. Foi um ano difícil para boa parte do mundo. A crise do petróleo obrigou governos e instituições a pensar numa era pós-combustíveis fósseis. No Chile, o presidente Salvador Allende foi derrubado por um golpe militar. Como era o nome do novo presidente chileno? Augusto Pinochet! Outro país que sofreu golpe de Estado foi o Uruguai. Ninguém mais falou de Guerra do Vietã, nem de conflitos no Araguaia. Conflitos no Araguaia? Devia ser conversa de esquerdista.
E como seria o ano de 1974? A única coisa que Marcos sabia era do metrô de São Paulo, que estava para ser inaugurado no ano seguinte. Quem sabe o metrô não ajudaria a acabar de vez com os congestionamentos? Se tivesse que voltar para São Paulo, Marcos montaria um escritório no Centro e iria trabalhar de metrô. Nada mal um escritório no Centro! Podia ser naquele prédio simpático, o edifício Joelma.

SOBRE O SECOS & MOLHADOS: O grupo surgiu em 1971. Era formado por Gerson Conrad, João Ricardo e Ney Matogrosso. Em 1973 lançou o disco Secos & Molhados pela gravadora Continental. O LP fez um sucesso estrondoso, tornando o grupo muito requisitado para shows. No ano seguinte, foi lançado Secos & Molhados II. O grupo, porém, não durou muito. Gerson, João e Ney partiram para carreiras distintas. João Ricardo tentou ressuscitar o grupo ao longo dos anos 70, mas sem despertar o entusiasmo do público. Em carreira solo, Ney Matogrosso se tornou um dos grandes ídolos da MPB.

Um comentário:

  1. Cara, parabéns. Se o Marcos é um personagem seu, continue. Sou um 40rentão cheio de nostalgia. Este texto me fez um bem, neste sentido. Bota fé, amigo - dá um bom livro. Valeu. Um abraço.

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